Socialismo, democracia, liberdade, indivíduo
Almar
Galvão Gomes de Matos
Meu
pai era um patriota, democrata, recifense. Poeta, professor,
acreditava no povo. É, os antigos erravam, como
todo mundo. Desculpe-o: não havia, em seu tempo
de jovem a relatividade, que mostrou que o fenômeno
objetivo só existe em presença de um observador,
que tempo, espaço e matéria absolutos
não existem, o que por si só acabaria
com a ilusão de coletivos (povo é um coletivo!)
pelo simples motivo de não existir um lugar real
onde existirem coletivos.
A
mecânica quântica piora isso, mostrando
que as partículas que constituem a matéria
ora são coisas ora são energia - e só
são coisas quando olhamos para elas. Heisenberg
mostrou que o observador altera o que observa. Isso
acaba com a noção coletiva de povo - e
com todas as idéias de coletivos reais, objetivos,
materiais.
Porque,
se o observador altera o que observa, a realidade observada
é idiossincrática e não absoluta,
o que impede que haja coletivos num mundo objetivo percebido.
Priban e Bohn lançam a noção de
universo holográfico. Coletivos são impossíveis.
Quando muito, realizam-se temporalmente pela anulação
da individualidade. Ou o coletivo é uma patologia
do indíviduo.
Em
geral apropriado por malandros que travestidos de patriotas,
falsos defensores desse mesmo "povo" - que,
porque não existe, aproveitam-se o mais que podem...
dos indivíduos, dos quais tiram o valor de seus
trabalho, como mostro nesse texto. Porque só
há indivíduos.
Passei
metade - ou mais - de minha vida acreditando na democracia
e na bobagem que "a democracia é um governo
ruim mas é o melhor que temos", mas é
uma grande tolice. Porque, para a maioria das pessoas
que não se envolve em política, que produz,
que faz riqueza, um governo ditatorial é muito
melhor que a melhor das democracias - porque essa pessoa
é um produtivo e por isso é valiosa para
qualquer governo que tenha como meta manter-se no poder
e aproveitar-se da riqueza produzida pelos produtivos.
Como
na democracia os governantes não estão
lá muito interessados nos produtivos, mas nos
votantes - que em sua maioria, hoje, nem produtivos
são, porque vivem à custa dos produtivos,
políticos os ouvem e à famosa "opinião
pública" - e não ao indivíduo
produtivo. Por isso, para o produtivo-pagante-de-impostos
a democracia acaba sendo muito ruim, porque não
o considera e não o valoriza. Valoriza o povo.
Quem
paga e quem não paga. E o produtivo é
ignorado solenemente. Por isso, a democracia é
um péssimo negócio para o "homem
de bem", por princípio o produtivo, porque
vagabundo não pode ser considerado homem de bem...
Primeiro, porque é o governo do povo. Como o
povo não existe, sempre há um indivíduo
controlando tudo. Ou não é?
Temos
a mania de acreditar que democracia e a liberdade são
sinônimos mas não são. A democracia
é o governo da maioria - mas quem disse que a
maioria necessariamente tem razão? Só
porque são em maior número? Num aglomerado
humano com cem ladrões e um honesto é
democrático o honesto ser obrigado a cumprir
as leis dos ladrões? Ou cumprir qualquer lei,
de qualquer um só porque é minoria?
Que
tal matar todos os judeus no Brasil porque são
minoria? Hitler inaugurou: depois vamos aos nordestinos,
gays, baixinhos, altos, etc. etc. O poder da maioria
é uma estupidez. Em que bases científicas
o governo da maioria é afirmado? Que provas há
disso? Nenhuma. Puro chute.
Que
acha disso? Em uma população de maioria
corrupta como viveriam os homens honestos? Em alguns
países isso já é realidade! Mesmo
que se aceitasse como válido que a maioria é
sábia ou que merece ter o poder, isso acabaria
com o país. Que tal um país de cegos que
impedisse um vidente a governar?... Ou onde quadrilhas
fossem a maioria?
Já
aconteceu, na Somália, no Haiti, com o chefe
de gangue Aydit, etc. A democracia, por isso não
é libertária e jamais garantiu a liberdade.
Ao contrário, muitas vezes a liberdade foi destruída
pela democracia. Quem se esquece que Mussolini, Hitler
agora Evo, Chávez e tantos outros foram eleitos
democraticamente e suas leis implantadas?
Teoricamente,
Cuba é uma democracia. A TV mostrou as "eleições"
do partidão chinês, que, aliás,
considera-se uma democracia... E por que não?
Nem inovador sou. Platão, há milênios,
afirmou que, quando um país fosse democrático,
o lixo humano, maioria, tomaria o poder e colocaria
seus conceitos, acabando com a civilização,
com o país. Sabe de algum país assim,
hoje?
Na
Tchecoslováquia a ditadura comunista foi implantada
pelo voto, assim como em vários outros países
- tenham se arrependido é outra coisa... como
muita gente se arrepende hoje, em segredo, mas em público,
continua comunista, socialista, etc. E a ditadura da
maioria nem justa pode ser, exatamente porque é
uma ditadura. Que o digam todas as minorias: judeus,
negros (5% no Brasil), homossexuais, etc. (A propósito:
tecnicamente falando, sou um mameluco, mistura de índio
com branco).
Se
há uma maioria com poder, há uma minoria
intimidada, perseguida, diminuída em seu viver.
Evo Morales simplesmente ignorou a oposição
e Hugo Chávez tripudia sobre todos que olham
feio para ele. Em todos os países ditos democráticos,
discutir com um funcionário público, principalmente
um policial, dá cadeia, por desacato a autoridade
- mas não há desacato ao indivíduo,
experimente ser preso...
Em
todos os países democráticos, o indivíduo
é simplesmente, na prática, legalmente
ignorado em prol do "bem comum"... Não
existe bem comum, mas bem dos indivíduos ou nada
há.
Qualquer
pessoa pode, a qualquer momento, ver sua casa invadida
por policiais mal encarados e mal educados, algemada
e levada à prisão, desde que um juiz ordene
isso. Ora, isso não é exatamente liberdade,
não lhe parece? Por definição,
liberdade não pode ser adjetivada como "liberdade
relativa" etc. Há ou não há
liberdade. E na democracia não há, porque
é coletiva e ignora o indivíduo. Ainda
que ele vote - em muitos lugares obrigado, ou vai preso,
paga multa.
Linda
democracia! Mas, ao contrário dos anúncios
das autoridades que deveriam ficar caladas frente a
esse assunto visto que é de foro pessoal e a
propaganda é capciosa e discutível - o
voto deveria ser desejado e não marquetizado
- NÃO é um produto anunciável.
Nesses casos, atualmente, o voto não é
a voz do indivíduo - engrossa apenas o processo,
isso se o pleito for honesto, o que pode ser discutível
quando feito com disquetes... comicamente...!
E,
quando a maioria legisla, oprime as minorias. O Brasil,
teoricamente, tem um governo laico, mas em todos os
tribunais há um crucifixo, porque oitenta por
cento dos brasileiros são cristãos. Os
vinte por cento, a minoria de ateus, budistas, islâmicos,
agnósticos, distraídos, desinteressados
(e porque não? - é livre ou não????)
que se dane futebol clube. É ditadura ou não?
A democracia é a ditadura da maioria que oprime
a minoria, por mais elegantemente e delicadamente que
faça isso.
Almar Galvão
Gomes de Matos é professor de Filosofia
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